Lembrei-me do conselho de Jesus, de que deveríamos olhar para flores do campo.
Olhei e elas começaram a falar. O que disseram? Disseram o que dizem sempre mesmo quando eu não estou lá. “Os seus olhos estão contemplando o que tem acontecido por milhares de anos. Por milhares de anos assim temos florescido. Por outros milhares de anos assim continuaremos a florescer. Muitos outros rebanhos perturbados como o seu já passaram por aqui. Mas deles não temos mais memória. Passaram e nunca mais voltaram. Desapareceram no Rio do Tempo. O Rio do Tempo faz todas as coisas desaparecerem. Por isso nada é importante. Nossas ansiedades também estão destinadas ao Rio. Também elas desaparecerão em suas águas. O seu sofrimento se deve a isso, que você se sente importante demais, que você não presta atenção na voz do Rio. Quando nos sentimos importantes nós ficamos grandes demais. E junto com o tamanho da nossa importância cresce também o tamanho da nossa dor. O Rio nos torna pequenos e humildes. Quando isso acontece a nossa dor fica menor. Se você ficar pequeno e humilde como nós, você perceberá que somos parte de uma grande sinfonia. Cada capim, cada regato, cada nuvem, cada coruja, cada pessoa é parte de uma Harmonia Universal. Quem disse isso foi Jesus. Ele disse que para nos livrarmos da ansiedade é preciso ficar humildes como os pássaros e as flores.
Aí o meu amigo Alberto Caeiro tomou a palavra e disse: “Quando vier a Primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira e as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. Sinto uma alegria enorme ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.“
Eu fiquei assustado com essas palavras mas ele me tranqüilizou. “Se você se julgar muito importante, então tudo dependerá de você. Mas se você se sentir humilde, então tudo dependerá de algo maior que você. Você estará, finalmente, nos braços de um Pai ou no colo de uma Mãe. E quem está nos braços do Pai ou no colo da Mãe pode dormir em paz…“
Aí as flores do capim retomaram a palavra.
“O Inverno vem. Com ele o frio e a seca. Parecerá que eu morri. Mas minhas sementes já foram espalhadas. A Primavera vai voltar, e com ela a alegria das crianças e do brinquedo. Está lá nas Sagradas Escrituras: “Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás.“ Coisa de doido. Pão lançado sobre as águas some, não volta jamais. Mas é assim que acontece no Rio de Tempo. Ele é circular. O que foi perdido retorna. O que vem vindo é o que já foi.
Olhei em volta e vi minhas ovelhas mansamente deitadas sob uma árvore…
Rubem Alves
Comentários: Guilherme
[...] Queria aproveitar e compartilhar com vocês um belo texto que recebi recentemente de Rubem Alves. É uma metáfora interessante para ser utilizada com os coachees. [...]
Contribuição: Guilherme Ubiali
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